Diálogo entre o Pe. Lara e o Capitão Rodrigo. A história trata da formação do estado do Rio Grande do Sul e passa-se no século XIX.
-Se vosmecê fosse o criador do mundo, como é que fazia as coisas e as pessoas? - Perguntou o padre.
-Se eu fosse o dono do mundo, fazia algumas mudanças...
-Por exemplo... - pediu o padre
-Acabava com essa história de trabalhar...
-Sim, e depois?
-Fazia os filhos virem ao mundo de outro jeito. Eu vi o que a Bibiana sofreu. É medonho.
-E depois?
-Dividia essas grandes sesmarias de homens como o Cel. Amaral.
-Dividia? Como? Pra quê?
-Dividia e dava um pedaço pra cada peão, pra cada negro, pra cada índio.
-Não vá me dizer que ia libertar os escravos...
-E por que não? Acabava com a escravatura imediatamente.
-Vosmecê é das Arábias, capitão. Mas continue com o seu mundo... Que mais?
-Ah, já ia m'esquecendo. Pra principiar, fazia o mundo mais pequeno, pra gente poder atravessar todo ele a cavalo, sem levar muito tempo.
-E como é que vosmecê ia se arranjar, indo dum país pra outro sem conhecer outra língua senão a sua?
-Eu acabava com esse negócio de línguas diferentes...
-Quê mais?
-Acabava também com a velhice.
-Acabava?
-Quero dizer, ninguém envelhecia mais...
-Nem morria?
-Morrer... morria. Mas se morria era de desastre, nos duelos, nas guerras.
-Vosmecê não ia também acabar com as guerras?
-Bom... acabar de todo, não acabava. Porque guerra é divertimento de homem. Sem uma guerrinha de vez em quando fica tudo muito enjoado.
-Ia ser um mundo bem esquisito...
-Mas não mais esquisito que esse nosso, padre.
- Se Deus fez o mundo assim foi porque achou que era o direito.
-Mas hai muita coisa torta aí.
-Que há, há...
-Outra coisa, padre. No meu mundo não ia haver casamento. Um homem podia ter quantas mulheres quisesse. Dez, quinze, vinte, mil...
-E se dois homens desejassem a mesma mulher?
-Pra que é que serve a espada? Pra que é que serve a adaga? E a pistola?
-Noutras palavras, capitão, seu desejo mesmo é andar correndo mundo, sem pouso certo, sem obrigação marcada, agarrando aqui e e ali uma mulher como quem apanha fruta em árvore de beira de estrada... De vez em quando uma partidinha de truco ou de solo, um joguinho de osso, umas carreiras, e para variar, uma peleia... Não é isso?
-Mais ou menos...
In: O Continente, Érico Veríssimo.
-Se vosmecê fosse o criador do mundo, como é que fazia as coisas e as pessoas? - Perguntou o padre.
-Se eu fosse o dono do mundo, fazia algumas mudanças...
-Por exemplo... - pediu o padre
-Acabava com essa história de trabalhar...
-Sim, e depois?
-Fazia os filhos virem ao mundo de outro jeito. Eu vi o que a Bibiana sofreu. É medonho.
-E depois?
-Dividia essas grandes sesmarias de homens como o Cel. Amaral.
-Dividia? Como? Pra quê?
-Dividia e dava um pedaço pra cada peão, pra cada negro, pra cada índio.
-Não vá me dizer que ia libertar os escravos...
-E por que não? Acabava com a escravatura imediatamente.
-Vosmecê é das Arábias, capitão. Mas continue com o seu mundo... Que mais?
-Ah, já ia m'esquecendo. Pra principiar, fazia o mundo mais pequeno, pra gente poder atravessar todo ele a cavalo, sem levar muito tempo.
-E como é que vosmecê ia se arranjar, indo dum país pra outro sem conhecer outra língua senão a sua?
-Eu acabava com esse negócio de línguas diferentes...
-Quê mais?
-Acabava também com a velhice.
-Acabava?
-Quero dizer, ninguém envelhecia mais...
-Nem morria?
-Morrer... morria. Mas se morria era de desastre, nos duelos, nas guerras.
-Vosmecê não ia também acabar com as guerras?
-Bom... acabar de todo, não acabava. Porque guerra é divertimento de homem. Sem uma guerrinha de vez em quando fica tudo muito enjoado.
-Ia ser um mundo bem esquisito...
-Mas não mais esquisito que esse nosso, padre.
- Se Deus fez o mundo assim foi porque achou que era o direito.
-Mas hai muita coisa torta aí.
-Que há, há...
-Outra coisa, padre. No meu mundo não ia haver casamento. Um homem podia ter quantas mulheres quisesse. Dez, quinze, vinte, mil...
-E se dois homens desejassem a mesma mulher?
-Pra que é que serve a espada? Pra que é que serve a adaga? E a pistola?
-Noutras palavras, capitão, seu desejo mesmo é andar correndo mundo, sem pouso certo, sem obrigação marcada, agarrando aqui e e ali uma mulher como quem apanha fruta em árvore de beira de estrada... De vez em quando uma partidinha de truco ou de solo, um joguinho de osso, umas carreiras, e para variar, uma peleia... Não é isso?
-Mais ou menos...
In: O Continente, Érico Veríssimo.
Homem sábio, esse certo Capitão Rodrigo... leitura longa, mas que vale muito...
ReplyDeleteNum é?? Um personagem apaixonante! E o recado que vc deixou aí no texto de baixo está bem a cara do capitão rodrigo! Mais gaúcho impossível!!!! hehe!!!
ReplyDeleteBjs
A blogueira esqueceu do blog e de mim também! snif...
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