Era uma vez dois meninos interessantes. Um tinha um quê de barroco. O outro um jeito romântico. O primeiro era lindo, astuto e simpático. O segundo era belo, inteligente e carismático. Eles tinham tão tudo a ver que enquanto um terminava de elaborar uma anedota, o outro já desembuchava a tal pilhéria sobre qualquer coisa inusitada que viram ou ouviram. Riam juntos então.
Mas barroco e romântico há muito sentiam a poesia esmorecer. Além de se privarem de tantas vontades comuns a todos os seres humanos, os dois tinham quase sempre que reprimir o desejo de um pelo outro. Beijos, abraços e afagos exigiam hora marcada. Até o dia em que o segundo saiu em disparada da casa do primeiro – sem nem se despedir – ao ouvir um terceiro chegar.
Ao telefone 30 minutos depois:
- Ah não! A gente tem que dar um jeito nisso! – revoltou-se o primeiro
- Mas como? – Suspirou desacreditado o segundo
De pernas elegantemente cruzadas e recostado no sofá de couro vermelho, o primeiro pensou, pensou, pensou. Pensou mais um pouquinho e acendeu um cigarro. Pensou, fumou, pensou, fumou, pensou... e oito maços depois encontrou a solução.
- Vamos embora daqui. Vamos para a Holanda! – gritou entusiasmado o primeiro.
- Holanda??? He-Hé-Hé! Agora? Como? Por que?
- Lá é um país liberal. As pessoas usam drogas no meio da rua. Ouvi dizer que tudo pra eles lá é normal... Eles todos lá são adeptos do “Movimento Vaca”: tão cagando e andando pra tudo. Por isso as vacas holandesas são conhecidas no mundo inteiro!
- Mas como a gente vai fazer pra ir agora?
- Indo! Ou você quer esperar que a sociedade mude? Eu não quero ficar protestando para que as gerações futuras possam usufruir de tudo enquanto eu já tô morto. Quero ser feliz com você agora!
Lá no outro continente as coisas eram bem diferentes. Mas tal qual a sociedade brasileira, a holandesa ainda precisava evoluir quando a questão envolvia o mesmo sexo. Voaram então pra uma ilha deserta no Peloponeso. Viveram 9 dias de paz, sem nenhum olhar ameaçador lhes dilacerando a alma. Até que a Guarda Costeira apareceu de repente. Apanharam em flagrante os dois deitados na areia, um de frente pro outro, dando risada com as pernas enroscadas. Foram presos por atentado ao pudor. Paradoxal, mas enfim...
No final das contas, o governo brasileiro pediu a extradição do casal. Apelou para o discurso da aceitação das diferenças e da necessidade de uma sociedade justa e democrática que tanto o Brasil luta pra ser. O segundo ficou empolgado:
-Agora com essa intervenção do presidente, nosso caso vai virar manchete. As pessoas vão se sensibilizar e vai ser um grande passo para vivermos em paz...
Quando chegaram no Brasil, estranharam. Nenhum burburinho sobre o episódio. Era época de campanha eleitoral e o então presidente preferiu abafar o caso. Era preferível manter o status quo a provocar polêmica. Afinal, não queria perder os votos da maioria da população do país, que era conservadora. Não podia arriscar. A justiça brasileira decidiu absolvê-los, mas os dois tiverem que assinar um termo em troca. O documento exigia o silêncio de ambos. Assim foi feito.
Fatigado, mas obstinado, o primeiro não desistiu.
-Vamos para os Estados Unidos. Lá é a terra das oportunidades, o país da democracia...
O segundo igualmente obstinado apoiou a idéia. Mas, na véspera da viagem, Bush baixou um decreto proibindo a entrada de latinos, negros, e homossexuais no país sob pena de morte. O governo americano considerava a estirpe um bando de terroristas em potencial. Era fuzilamento na certa.
O primeiro continuou pensando. Pensou, pensou, pensou. Acendeu um cigarro. Pensou, fumou, pensou, fumou, pensou... até que...
- A solução é irmos embora do planeta. Aqui não vamos nunca ser plenamente felizes...
Uniram as persistências e as inteligências. Numa nave espacial de cores modernas foram baixar num planeta distante, em outra Galáxia a qual deram o nome de “Gayláxia”. Aterrisaram num planetinha aconchegante onde a morte não existia, nem a rotina e nem domingo à noite. Do chão brotavam alimentos light, mas com gosto bom de guloseimas. No céu, um arco-íris lá pairava sempre. Construíram uma casinha no final do arco-íris, representando que tinham finalmente encontrado o tesouro.
O planeta, o segundo resolveu batizar de “Tô-nem-aí-véi”. Mas o primeiro, estritamente avesso aos erros gramaticais, fez cara ruim.
- Tem que ser Tô-nem-aí (vírgula) véi, porque o vocativo tem que ser separado por vírgula.
- Mas é só uma nomenclatura...
-Mas você sabe que eu fico agoniado com erros de português!
Ficou “Tô-nem-aí”. E eles foram felizes para sempre a milhões de anos-luz daqui. Porque na Terra eles também tinham tudo para ser feliz, só que a gente desse mundo não deixava. E é por isso que nesse texto eles não tem nome.
E 300 anos depois, o já consolidado movimento gay derrubou o regime totalitário mundial imposto pelo presidente Bush no século XXI. Os homossexuais finalmente tomaram o poder. O planeta azul ficou rosa e bem melhor de se viver.
-Agora com essa intervenção do presidente, nosso caso vai virar manchete. As pessoas vão se sensibilizar e vai ser um grande passo para vivermos em paz...
Quando chegaram no Brasil, estranharam. Nenhum burburinho sobre o episódio. Era época de campanha eleitoral e o então presidente preferiu abafar o caso. Era preferível manter o status quo a provocar polêmica. Afinal, não queria perder os votos da maioria da população do país, que era conservadora. Não podia arriscar. A justiça brasileira decidiu absolvê-los, mas os dois tiverem que assinar um termo em troca. O documento exigia o silêncio de ambos. Assim foi feito.
Fatigado, mas obstinado, o primeiro não desistiu.
-Vamos para os Estados Unidos. Lá é a terra das oportunidades, o país da democracia...
O segundo igualmente obstinado apoiou a idéia. Mas, na véspera da viagem, Bush baixou um decreto proibindo a entrada de latinos, negros, e homossexuais no país sob pena de morte. O governo americano considerava a estirpe um bando de terroristas em potencial. Era fuzilamento na certa.
O primeiro continuou pensando. Pensou, pensou, pensou. Acendeu um cigarro. Pensou, fumou, pensou, fumou, pensou... até que...
- A solução é irmos embora do planeta. Aqui não vamos nunca ser plenamente felizes...
Uniram as persistências e as inteligências. Numa nave espacial de cores modernas foram baixar num planeta distante, em outra Galáxia a qual deram o nome de “Gayláxia”. Aterrisaram num planetinha aconchegante onde a morte não existia, nem a rotina e nem domingo à noite. Do chão brotavam alimentos light, mas com gosto bom de guloseimas. No céu, um arco-íris lá pairava sempre. Construíram uma casinha no final do arco-íris, representando que tinham finalmente encontrado o tesouro.
O planeta, o segundo resolveu batizar de “Tô-nem-aí-véi”. Mas o primeiro, estritamente avesso aos erros gramaticais, fez cara ruim.
- Tem que ser Tô-nem-aí (vírgula) véi, porque o vocativo tem que ser separado por vírgula.
- Mas é só uma nomenclatura...
-Mas você sabe que eu fico agoniado com erros de português!
Ficou “Tô-nem-aí”. E eles foram felizes para sempre a milhões de anos-luz daqui. Porque na Terra eles também tinham tudo para ser feliz, só que a gente desse mundo não deixava. E é por isso que nesse texto eles não tem nome.
E 300 anos depois, o já consolidado movimento gay derrubou o regime totalitário mundial imposto pelo presidente Bush no século XXI. Os homossexuais finalmente tomaram o poder. O planeta azul ficou rosa e bem melhor de se viver.
*Baseado em fatos reais
2 comments:
com amigos assim -e com textos assim- o planeta já é cor de rosa. não precisava ter sido tão poética, porque a poesia dos dois meninos interessantes já virou crônica. o que poderia ser lindo perdeu, em si, a literatura. mas eu tenho que dizer: puta que pariu!!! este seu texto cutucou a alma. e agora eu estou petrificado...
A-d-o-r-e-i!
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