Monday, April 05, 2010

Da diversidade*

Era uma vez dois meninos interessantes. Um tinha um quê de barroco. O outro um jeito romântico. O primeiro era lindo, astuto e simpático. O segundo era belo, inteligente e carismático. Eles tinham tão tudo a ver que enquanto um terminava de elaborar uma anedota, o outro já desembuchava a tal pilhéria sobre qualquer coisa inusitada que viram ou ouviram. Riam juntos então.
Mas barroco e romântico há muito sentiam a poesia esmorecer. Além de se privarem de tantas vontades comuns a todos os seres humanos, os dois tinham quase sempre que reprimir o desejo de um pelo outro. Beijos, abraços e afagos exigiam hora marcada. Até o dia em que o segundo saiu em disparada da casa do primeiro – sem nem se despedir – ao ouvir um terceiro chegar.
Ao telefone 30 minutos depois:

- Ah não! A gente tem que dar um jeito nisso! – revoltou-se o primeiro
- Mas como? – Suspirou desacreditado o segundo

De pernas elegantemente cruzadas e recostado no sofá de couro vermelho, o primeiro pensou, pensou, pensou. Pensou mais um pouquinho e acendeu um cigarro. Pensou, fumou, pensou, fumou, pensou... e oito maços depois encontrou a solução.

- Vamos embora daqui. Vamos para a Holanda! – gritou entusiasmado o primeiro.
- Holanda??? He-Hé-Hé! Agora? Como? Por que?
- Lá é um país liberal. As pessoas usam drogas no meio da rua. Ouvi dizer que tudo pra eles lá é normal... Eles todos lá são adeptos do “Movimento Vaca”: tão cagando e andando pra tudo. Por isso as vacas holandesas são conhecidas no mundo inteiro!
- Mas como a gente vai fazer pra ir agora?
- Indo! Ou você quer esperar que a sociedade mude? Eu não quero ficar protestando para que as gerações futuras possam usufruir de tudo enquanto eu já tô morto. Quero ser feliz com você agora!

Lá no outro continente as coisas eram bem diferentes. Mas tal qual a sociedade brasileira, a holandesa ainda precisava evoluir quando a questão envolvia o mesmo sexo. Voaram então pra uma ilha deserta no Peloponeso. Viveram 9 dias de paz, sem nenhum olhar ameaçador dilacerando-lhes a alma. Até que a Guarda Costeira apareceu de repente. Apanharam em flagrante os dois deitados na areia, um de frente pro outro, dando risada com as pernas enroscadas. Foram presos por atentado ao pudor. Paradoxal, mas enfim... No final das contas, o governo brasileiro pediu a extradição do casal. Apelou para o discurso da aceitação das diferenças e da necessidade de uma sociedade justa e democrática que tanto o Brasil luta pra ser. O segundo ficou empolgado:

-Agora com essa intervenção do presidente, nosso caso vai virar manchete. As pessoas vão se sensibilizar e vai ser um grande passo para vivermos em paz...

Quando chegaram no Brasil, estranharam. Nenhum burburinho sobre o episódio. Era época de campanha eleitoral e o então presidente preferiu abafar o caso. Era preferível manter o status quo a provocar polêmica. Afinal, não queria perder os votos da maioria da população do país, que era conservadora. Não podia arriscar. A justiça brasileira decidiu absolvê-los, mas os dois tiverem que assinar um termo em troca. O documento exigia o silêncio de ambos. Assim foi feito.
Fatigado, mas obstinado, o primeiro não desistiu.

-Vamos para os Estados Unidos. Lá é a terra das oportunidades, o país da democracia...

O segundo igualmente obstinado apoiou a idéia. Mas, na véspera da viagem, Bush baixou um decreto proibindo a entrada de latinos, negros, e homossexuais no país sob pena de morte. O governo americano considerava a estirpe um bando de terroristas em potencial. Era fuzilamento na certa.

O primeiro continuou pensando. Pensou, pensou, pensou. Acendeu um cigarro. Pensou, fumou, pensou, fumou, pensou... até que...

- A solução é irmos embora do planeta. Aqui não vamos nunca ser plenamente felizes...

Uniram as persistências e as inteligências. Numa nave espacial de cores modernas foram baixar num planeta distante, em outra Galáxia a qual deram o nome de “Gayláxia”. Aterrisaram num planetinha aconchegante onde a morte não existia, nem a rotina e nem domingo à noite. Do chão brotavam alimentos light, mas com gosto bom de guloseimas. No céu, um arco-íris lá pairava sempre. Construíram uma casinha no final do arco-íris, representando que tinham finalmente encontrado o tesouro.
O planeta, o segundo resolveu batizar de “Tô-nem-aí-véi”. Mas o primeiro, estritamente avesso aos erros gramaticais, fez cara ruim.

- Tem que ser Tô-nem-aí (vírgula) véi, porque o vocativo tem que ser separado por vírgula.
- Mas é só uma nomenclatura...
-Mas você sabe que eu fico agoniado com erros de português!

Ficou “Tô-nem-aí”. E eles foram felizes para sempre a milhões de anos-luz daqui. Porque na Terra eles também tinham tudo para ser feliz, só que a gente desse mundo não deixava. E é por isso que nesse texto eles não tem nome.

E 300 anos depois, o já consolidado movimento gay derrubou o regime totalitário mundial imposto pelo presidente Bush no século XXI. Os homossexuais tomaram o poder. O planeta azul ficou rosa e bem melhor de se viver.

*Baseado em fatos reais

16 comments:

Fabrício Bezerra said...

agora vc me deixou curioso.o quanto desse texto é real?

Sabina Insustentável said...

Os personagens e o conflito deles são reais...

Barney Gumble said...

Legal o texto, interessante, mas uma pergunta pessoal, tua opção sexual é qual?? Fique a vontade para não responder. Abs.

Rander Ariel. said...

O que importa é ser feliz independente do que os outros digam ou pensam.
O que importa é acreditar que a felicidade está em nós e não depende dos outros.
Excelente.

Sabina Insustentável said...

Barney,

Sou hetero, mas convivo e tenho muitos amigos homossexuais. Respondo sem problema rsrsrs Acredito que quem ler vai fazer essa pergunta. O que me indigna é a sociedade não respeitar a opção do outro, como a vida do outro ganha importância... pq pra mim não faz a mínima diferença saber que um amigo meu gosta de homem ou amiga gosta de mulher...
Espero que vc tb não horrorize com as opções alheias!
abraços :)

Sabina Insustentável said...

Exatamente, Rander!

abraçao!

Pobre esponja said...

Aí que vejo um problema.
Acho legal todas as minorias reivindicarem seus direitos, apoio e tal. Mas se vê que em muitos casos que certos homossexuais já querem que o mundo vire gay, e todo mundo é, e tem que aceitar cantadas. É tomar o poder daquele a quem se critica, querer ter um mundo rosa: não se deve segmnentar, deve-se misturar, e lutar pela igualdade.

abç
Pobre Esponja

Rander Ariel. said...

Pois é. Uma opção sexual não define o caracter e nem modifica a grandeza do ser humano.
A sociedade é preconceituosa e sem dúvida gosta de julgar e apontar o dedo para tudo aquilo que foge de suas crenças ou do seu 'pensar'.
Não a aprendizado na vida que não passe na experiência dos erros.
A vida seria tão fácil e melhor de ser 'vivida' se as pessoas passassem a aceitar e a conviver com as diferenças. Um dos maiores crimes da humanidade além da escravidão e da intolerância religiosa é o preconceito social que impõe regras de conduta e prendem os indivíduos e retiram a sua liberdade de escolha. A liberdade hoje não existe mais, aliás, ela jamais existiu de fato. Só conheço uma liberdade hoje, e ela é a liberdade de pensar.

Abração, e dá uma passada lá no meu blog www.randerpp.blogspot.com

Rander Ariel. said...

Pobre esponja.
Concordo com o que você disse.
Essa imposição também é desnecessária.
O que deve haver é o respeito mútuo com as diferenças.

Rander Ariel. said...

Autora do Blog, se vc quiser add para trocarmos idéias ragsantos@hotmail.com

Sabina Insustentável said...

Pobre esponja,

entendi sua colocação, mas nao quis dizer isso. A ideia nao é segmentar nao, mas misturar como vc mesmo colocou! ;)

um beijo

Sabina Insustentável said...

Rander,

ótimas colocaçoes!
Te adicionarei sim...

Beijos.

X said...

Desejo que um dia desses possamos dizer não a nossa hipocrisia e realmente possamos aceitar a livre manifestação de quelaquer ser, que sejamos livres de preconceitos e julgamentos. Hoje, concordo com o texto, qualquer atitude fora do que julgamos "normal" choca, ainda que as pessoas digam que tudo bem, mas ainda é tudo bem na casa do outro, quando eu não vejo, nãoouço..e for ao meu lado é choque.
Adorei as sua forma figurativa de escrever, a abordagem e desejo que em breve nãos eja necessário degredar-se para se manifestar.

beijos.

Tijolada said...

Só não gostei do final... porque o planeta azul tem que ficar rosa? Não pode ser azul pra quem gosta de azul e rosa pra quem gosta de rosa? (linguagem figurada, claro). Querem tirar uma intolerância e colocar outra?

Sabina Insustentável said...

ei, tijolada... realmente nao pensei nisso na hora que escrevi, embora possa dar essa ideia. O que quis dizer é justamente o contrário... um planeta tomado por outras pessoas talvez fosse rosa - símbolo do amor - e, por isso mesmo, tolerante com todos. Já que não vemos tolerância no mundinho azul que vivemos, quem sabe com outros no comando o conservadorismo nao cederia e as diferenças conviveriam sem conflitos? Foi nisso que pensei qdo escrevi...

Tijolada said...

Entendi, mas... não seria meio inocente acreditar que a intolerância está só do lado "de cá"? Acho mais coerente acreditar que a intolerância é inata ao ser humano, independente da opção sexual que ele faça. Se ficarmos atentos perceberemos que os gays não são mais nem menos preconceituosos que nós. Bom, é minha opinião, não sou o dono da verdade.