Foi no início deste mês. Por razões orkutianas estava chateada. Chateada não. Puta.
Quel, então, me chamou para uma festinha. "O Bê vai tocar para uns amigos. Bora?" Não tinha dinheiro nem para comprar um cigarro picado. Mas animei. "Não tem que pagar nada não, né?". "Não, pô. Uma festinha de amigos". Achei que ele ia tocar para poucos no quintal da casa de alguém. Vesti calça jeans, camiseta básica e coloquei um salto, claro. Salto não. Saltão.
No entanto, Bê, que conhece até o papa Bento XVI, nos leva para um estúdio de um fotógrafo chiquetésimo. O local tinha se transformado em boate para a ocasião. Na porta, dois seguranças grandalhões. Lá dentro, fumaça, música, luzes coloridas e muita gente. Que nem balada mesmo. Fiquei chocada. O clima festeiro me contagiou. "Pô, Quel... A gente devia ter trazido um dinheirinho..." "Putz! Eu também não trouxe nada". Foi quando eu vi uns garçons passando ao nosso lado com uma jarra reluzente. "Quel, pô! Tem uns garçons passando com cerveja. Será que a gente pode pegar?". "Eita pô! Pergunta, meu"
- Moço... Como é o esquema? A gente paga aonde pela cerveja?
-Precisa pagar nada não, moça. Agora, se quiser, pode dar uma gorjeta pro garçom!
"Quel, Quel!!! É de graça!!! Meu irmão, doido! Bê é o futuro!", comemorei, com os olhinhos brilhando, toda serelepe. O garçom ficou dando risada.
Com sorrisão no rosto, segui festa adentro. Encontrei gente conhecida. Conheci gente nova. Inclusive conheci o dono da empresa que atrasava meu pagamento no último emprego. Mas era tudo festa. Depois do sermão, até rimos juntos. A música tava boa. Vai e vem de jarras reluzentes e logo precisei ir ao banheiro. Só tinha um e a fila estava gigante. Passaram uns 5 minutos e eu ainda estava no mesmo lugar. Puxei assunto com um menino de dread atrás de mim:
- Não entendo como as pessoas demoram tanto no banheiro. Eu sou tão rápida. Sorte sua que está atrás de mim.
O menino concordou comigo. E, de fato, sempre me vanglorio nesse assunto mesmo. E, não raro, quando saio do banheiro, a pessoa com quem eu dou de cara na porta me agradece com uma cara sofrida: "Poxa, valeu! Você foi tão rápida...." E o menino de dread comprovou. Faltou só me reverenciar.
Mas lá pela quarta vez que fui ao banheiro, não falei com ninguém. Só entrei, me achando, sabendo que os outros da fila não iam ter do que reclamar. Mal dei uma olhadinha no espelho, começaram a bater na porta insistentemente. Meu sangue ferveu. Pernambucana, escorpiana, depois de algumas cervejas e atormententada psicologicamente com recados virtuais do mundinho azul do orkut... Isso não podia dar certo. E as batidas continuaram. Aqueles toc tocs estavam dilacerando o meu brio. Imaginem a cena...
Abri a porta do banheiro com muita raiva e gritei:
- Quem foi?????????????
Vi que o próximo da fila era o Gabriel, um conhecido da PUC. Sabia que não podia ter sido ele, isso era coisa de mulher! E, diante do meu transtorno, ele dedurou. Apontou para uma menina miúda de cabelo amarrado. Me armei em cima do meu salto plataforma de 15 centímetros:
- Qualé, minha filha?
- Eu tô apertada, uai!
-Então agacha e faz aí...
Quando olhei para a fila, estava Quel. Plácida, mansa, perguntou: "Que foi"? "Eu demorei, Quel? Eu demorei no banheiro"?, repliquei esbaforida. "Eu não sei. Cheguei aqui agora". À medida que contava o ocorrido, sentia meu rosto esquentar. Quando meu sangue atingiu o ponto de ebulição, murmurei cerrando os dentes: "Ela vai ver..."
Na vez da menina, corri e comecei a esmurrar a porta do banheiro. "Pára, pára, a menina nem vai ligar", tentava Quel. Vendo que palavras não adiantavam, a dócil Quel me agarrou por trás e, literalmente, me deixou de mãos atadas. Ainda deu tempo de dar um bicudo na porta...
Uma foto seria mais indicada, já que estávamos em um estúdio fotográfico, mas a marca preta da sola da minha sandália plataforma deixou o momento registrado na porta do banheiro.